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Notícias e Julgamentos - 03/06/25

Douglas Odorizzi comenta, no Valor Econômico, sobre a Solução de Consulta n. 74/2025 da Cosit, que trata da tributação dos descontos obtidos em recuperação judicial

Veículo: Valor econômico

Receita Federal tributa descontos obtidos em recuperação judicial

Solução de consulta orienta fiscais do país a cobrar IRPJ e CSLL assim que o acordo com credores é homologado pela Justiça

A Receita Federal quer cobrar Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre o ganho obtido com os descontos aplicados em plano de recuperação judicial logo que o acordo com os credores é homologado pela Justiça. A interpretação antecipa o recolhimento dos tributos, segundo especialistas, já que, nesse momento, o deságio ainda não se concretizou totalmente – muitos planos preveem o pagamento da dívida reduzida ao longo de dez anos ou mais.

Também há o risco, dizem, de a empresa descumprir o plano de recuperação, o que faria com que as dívidas voltassem aos valores originais, afastando a justificativa da Receita para a tributação. O entendimento consta na recente Solução de Consulta nº 74/2025, editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que deve ser seguida por todos os fiscais do país.

Na visão de advogados, a questão se agrava porque, na prática, obriga a empresa a recolher os tributos sobre o deságio em dinheiro, sem parcelar e antes de começar a pagar os credores. Normalmente, dizem, quando há prejuízo fiscal, o estoque é usado em transações tributárias com a União.

A consulta foi feita por uma empresa em recuperação judicial que aplicou um desconto de 80% da dívida por meio do plano aprovado. Ela ficou na dúvida se o ganho obtido deveria ser tributado logo após o trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso) da decisão que homologou o acordo, ou após o prazo de dois anos de fiscalização judicial do processo.

Para a empresa, não há “disponibilidade econômica” no primeiro momento, tampouco certeza de que o plano será cumprido. E, se não for seguido, é decretada a falência, como prevê o artigo 73, IV, da Lei de Recuperação Judicial e Falência (nº 11.101, de 2005), com a reconstituição da dívida original.

Por isso, o contribuinte entende que “o desconto somente será definitivo após a ocorrência de evento futuro e incerto, sujeitando-se à condição suspensiva”. Segundo os artigos 116 e 117 do Código Tributário Nacional (CTN), tal condição adia a ocorrência do fato gerador do tributo até que a condição se concretize.

Mas essa não foi a conclusão da Cosit. Para a fiscalização, quando a recuperação judicial é deferida, já há uma mudança na situação patrimonial da devedora – fato gerador para que o tributo seja cobrado. “Uma vez concedida [a reestruturação], as dívidas restam, desde já, reduzidas, motivo pelo qual é esse o momento em que a consulente deve proceder ao reconhecimento da receita gerada em contrapartida à diminuição de seu passivo”, afirma.

O entendimento é o de que a empresa deve registrar na contabilidade os valores dos descontos como uma receita. E, a partir do registro, o montante já vale como base para incidência do IRPJ e CSLL. “Em se tratando de condição resolutória, considera-se o ato ou negócio apto a produzir seus efeitos tributários desde a origem, ainda que posteriormente possam ser aqueles resolvidos na esfera privada.”

A interpretação dividiu especialistas, que entendem que essa tributação não deveria ocorrer em algumas situações. Outros dizem que, na prática, as empresas em recuperação não registram os descontos na contabilidade de imediato, apenas de forma proporcional ao pagamento das parcelas.

O tributarista Rafael Serrano, sócio do CSA Advogados, defende que a cobrança deveria ocorrer só após o cumprimento integral do plano de recuperação – mesmo que demore alguns anos – e não logo que a empresa “consegue um fôlego”. “Entendo que, apesar de aparentemente se ter o desconto, não é fato jurídico definido, vai depender se a empresa conseguir se soerguer”, afirma.

Nunca vi o reconhecimento imediato na contabilidade da ‘receita’ obtida com o deságio
— Nathalia Gabina

O problema, para ele, é que mesmo a possibilidade inserida pela reforma da Lei de Falências, a 14.112/2020, de permitir o uso de todo o prejuízo fiscal para pagar essa nova dívida, a empresa pode não ter mais estoque, pois usou em transação tributária com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

A advogada Nathalia Gabina, sócia do escritório Mac Dowell, Melo & Leite de Castro Advogados, especialista em reestruturação, diz que nunca viu o reconhecimento imediato na contabilidade da “receita” obtida com o deságio aplicado no plano de recuperação. “Ninguém faz isso”, diz. “Seria impossível do ponto de vista do modelo financeiro.”

Os piores momentos das empresas, acrescenta, são os primeiros anos da aprovação do plano, porque existe uma questão de capital de giro, de necessidade de caixa em curto prazo e problemas de financiamento no mercado. “Então ninguém paga imposto logo que aprova o plano”, afirma Nathalia. “O que muitas têm feito é reconhecer os descontos aos poucos na contabilidade, na medida em que as parcelas são pagas.”

Ela desconhece que uma empresa tenha sido autuada por conta disso. “Com essa solução de consulta, provavelmente vai ter uma chuva de mandado de segurança para impedir que a autoridade faça a tributação. Seria quebrar a empresa no dia seguinte que aprova o plano”, diz Nathalia, acrescentando que a interpretação da Receita Federal vai contra o princípio da lei de insolvência de ajudar a empresa a se soerguer.

O tributarista Douglas Guidini Odorizzi, sócio do Dias de Souza Advogados, afirma que já foi consultado por empresas sobre o assunto. Para ele, a tributação nem deve ocorrer em alguns casos. “É uma premissa que está na solução de consulta, mas entendemos que não se aplica em algumas situações, como nas despesas que nunca foram reconhecidas pela empresa, porque nunca impactaram o resultado”, diz.

Sobre o momento da tributação, Odorizzi defende um meio termo entre a posição do Fisco e a do contribuinte que fez a consulta. Deveria ocorrer no momento em que o credor escolhe a opção de pagamento. “Só pode ser cobrado na data da homologação do acordo se o desconto foi aplicado naquele momento, mas em muitos casos há abertura para se negociar individualmente, então não se sabe quantos vão aderir em cada opção.”